Ser Flamengo é ter alma de herói

"Há de chegar talvez o dia em que o Flamengo não precisará de jogadores, nem de técnico, nem de nada. Bastará a camisa, aberta no arco. E, diante do furor impotente do adversário, a camisa rubro-negra será uma bastilha inexpugnável."

Copa de 94 - USA

COPA DO MUNDO DE 94 - ESTADOS UNIDOS


Depois do fracasso da Copa de 1990 resolvi, pela milésima vez, me aposentar dos estádios. Primeiro, por falta de motivação; segundo, porque a grana finalmente acabara, e ainda porque o papel das torcidas organizadas estava completamente deturpado, com brigas e confusões incríveis, chegando a ocorrer mortes nos estádios. A violência já era incontrolável.

O coração estava dividido. Nas eliminatórias para a Copa dos Estados Unidos, o Parreira e o Zagalo levaram porrada de todos os lados: da imprensa e dos torcedores. Faltou respeito ao currículo dos caras. Até musiquinha fizeram (e chegou aos primeiros lugares das paradas). A coisa piorou quando ele convocou o Dunga e deixou o Romário de fora. Resolvi dar uma força e me preparei para ir ver o jogo no Equador. Não consegui porque os vôos regulares não batiam com o dia do jogo. Então, procurei a Stella Barros, agência oficial da CBF (assim eles se intitulavam), que estava fazendo um vôo fretado. A pessoa que estivesse interessada em ir tinha que passar primeiro na CBF e dar o nome. Se aprovado, procurava a agência para fechar o negócio. Fiz tudo bonitinho, mas, na hora de pagar, deu zebra. O preço da excursão (passagem, hotel, translado e ingresso para o jogo) era de US$1,000.00. Era caro, mas resolvi ir. O problema é que eles determinaram o preço do dólar, ou seja, deram uma de Banco Central e colocaram o dólar lá em cima, num preço absurdo. Aí fiquei puto, chamei todo mundo de ladrão - era roubo mesmo - e desisti. Teve muito jornalista que se sujeitou a pagar aquela extorsão. Em qualquer país sério, os donos daquela agência sairiam dali algemados, diretamente para um presídio. Abandonei de vez a idéia de ver as eliminatórias.

A pressão estava insuportável e atingiu o ponto máximo quando perdemos para a Bolívia, em La Paz. Pela primeira vez a Seleção Brasileira perdia um jogo em eliminatórias de Copa do Mundo. Fiquei torcendo pela televisão até o jogo contra o Uruguai, no Maracanã, quando o Parreira convocou o Romário. O Baixinho arrebentou. Ganhamos de 2x0, e o time começou a pegar moral.

À medida que se aproximava a Copa nos Estados Unidos, como sempre, eu fazia aquele charme. Porém, já tinha decidido ir. Os “malas” do meu pessoal, super assanhado, esperando minha definição: Munir, Hélio Moraes, Siri, Eduardo Fiúza e Renato Bizerra. O Paizão Ernesto desistiu, por causa das distâncias que teríamos que viajar para ver todos os jogos. Foram mais de vinte mil milhas; meu bilhete de passagem foi Rio-Miami-São Francisco-Detroit-Dallas-São Francisco-Los Angeles-Miami-Rio. Praticamente, uma volta ao mundo.

Quinze dias antes liguei para a galera e decidi ir com uma condição: montaria meu “quartel general” em San Diego porque ficaria treinando triathlon com o Renato Bizerra, uma fera que estava sendo preparada para ser um dos melhores triatletas do Brasil. Só iria para os jogos na véspera de cada partida. Mesmo a contragosto, o pessoal topou.

Uma semana antes do primeiro jogo do Brasil, quem jogou a toalha foi o Fiúza, que cismou de fazer vestibular para Informática, na Faculdade da Cidade. Veja só que idiotice: os caras marcaram as provas justamente nos dias de jogos do Brasil. Três dias antes da viagem, o Renato arranjou uma hepatite. Tive que mudar todos os meus planos.

O que sobrou da tropa foi antes, e eu segui na véspera da segunda partida contra Camarões, pela American Air Lines, por cortesia dos meus amigos José Marcos e Edvaldo, da Tocantins Filmes e Vídeo, que me mandaram as passagens aéreas. No aeroporto, o pessoal da revista "Caras" me pediu para levar a fotografia oficial do filho do Leonardo (jogador), que tinha nascido no dia anterior. Concordei por duas razões: primeiro, porque o Leonardo é meu amigo e, segundo, pela chantagem. É que chegaria em São Francisco às onze da manhã e o jogo seria ao meio-dia. Então, combinei que a pessoa que fosse buscar as fotos no aeroporto seria obrigada a me dar carona até à porta do estádio. Tudo certo. Embarquei levando as fotos. Claro que virei atração turística dentro do avião, pois fiz questão de mostrar a foto para os brasileiros presentes, muitos dos quais iam ao jogo. Arrumei umas trinta caronas, caso o esquema da revista furasse.

Para completar, o chefe dos comissários da American Airlines era um cidadão chamado Rivelino, um brasileiro residente em Miami, fanático por futebol e que também ia ao jogo. Fui parar na primeira classe, com direito a tratamento vip presidencial. Que beleza!

Chegando a São Francisco, tinha até comitiva me esperando. O pessoal da revista Caras, o Munir (alugou um carrão) e uns dez “amigos”, que eu tinha feito no vôo. Escolhi o Munir e, com malas e bagagens, nos mandamos para o estádio. Ganhamos o jogo bem, e pude presenciar, mais uma vez, a sacanagem de sempre: um montão de caipiras, que só vão à Copa do Mundo para aparecer na TV, fazendo todo tipo de macaquice. Plantam bananeira, inventam fantasias, cantam uns sambas velhos e ficam pulando em frente às câmeras para "comemorar". Pura balela.

Depois fomos jogar em Detroit, contra a Suécia. O estádio era bonitinho e o gramado do tamanho de uma quadra oficial de fut-sal. Um tiro de meta bem batido era perigo de gol; tinha que ter barreira. A Suécia jogou de amarelo e o Brasil de azul. No primeiro tempo os gringos meteram um a zero. No intervalo da partida me aparece o Siri (chefe da Fla-Goró) “bebão”, que falou:

- Moraes, legal, tamo ganhando, né? Golaço do Bebeto.

- Ô, seu bebum do caralho, estamos perdendo o jogo. A Suécia tá de amarelo, veado.
- Ah é, chefia. Então tô bêbado mesmo... - e saiu rindo
.

No segundo tempo empatamos, com um gol do Romário. Começou a “cair a ficha”. Na realidade, apesar do Tafarel (o melhor goleiro que o Brasil teve em todos os tempos), o time era o Dunga, o Bebeto e o Romário. Com todo o respeito aos outros jogadores, não tinha futebol sem esses três. O Jorginho começou bem, mas depois ficou com a jogada marcada. O Leonardo, pela esquerda, se limitava a fazer cruzamentos da intermediária. Todo mundo sabe que os gringos são quase imbatíveis em bolas altas; era uma perda de tempo. O meio de campo era Dunga, Mauro Silva, Zinho e Mazinho...Não dá... Até que o Dunga roubava uma bola, errava o primeiro passe, errava o segundo, acertava o terceiro para o Romário e, saco... Foi assim toda a Copa.

E tome vaias para o Parreira e o Zagalo. No intervalo do jogo contra os Estados Unidos, foi massacrante ver os dois encostados no alambrado para discutir com nossos torcedores. Aliás, naquele jogo, tive a certeza que seríamos campeões. Um jogo chato, em que só havia um time em campo, mas nada do nosso gol sair. Até que veio a expulsão do Leonardo. O Munir, do meu lado, me olhou e repetiu a famosa frase:

- Fudeu...

Me lembrei do Peter, ri, e disse:

- Ih! leke, relaxa. Agora começamos a ganhar a Copa. O Leo tinha que jogar no meio campo, no lugar de um desses cabeças de bagre que estão aí. Exceto o Dunga, pode sair qualquer um. Mas na lateral não dá...

- Tu achas mesmo?

- Espera só. O time com dez vai melhorar. É menos um pra atrapalhar...

Não deu outra. Fizemos um a zero e ganhamos a partida. Passado o susto, fomos a Dallas enfrentar a Holanda. O melhor jogo da Copa e, também, o mais bobo. O jogo estava ganho, demos duas bobeiras, eles empataram, e se não é o Branco acertar aquela falta... Sei não... O primeiro gol deles, então... Nem em pelada. O cara me bate um lateral para dentro da área e... bimba...

Na semi-final contra a Suécia, foi um treino de ataque contra defesa. Aliás, a Suécia é a versão escandinava do Grêmio, do Rio Grande do Sul. Só tem a jogada aérea. Se não der certo, não ganha nem do River do Piauí.

Estávamos, pela primeira vez desde 1970, numa final de Copa do Mundo. E justo contra a Itália. Sempre foi um jogo chato. O time deles era fraquinho, mas tinha o Baggio, um dos melhor jogadores do mundo. O Romário é  o maior atacante do mundo, mas ele é só a "flecha". Se a bola chegar nele, é saco. Já o Baggio não, ele é "arco" e "flecha"; arma e faz. Graças a Deus, ele jogou machucado.

Jogo rolando e nós perdendo gols... E perdendo gols... Porra, o coração dum... dum... A Itália, toda na defesa, saiu pouquíssimas vezes para o ataque. Estava na cara que eles queriam ir para os pênaltis. Não deu outra (mata o velho, mata...). Enquanto os italianos se preparavam para bater o deles, eu olhava para o Dunga, no centro do campo. Ali eu sabia quem ia bater o nosso. Nosso capitão e líder orientava o nosso batedor, dando moral e, às vezes, esporro. Lembro bem que quando o Baggio foi bater o último pênalti da Itália, fiquei olhando o Dunga "conversar" com o Bebeto, no meio campo. Imaginei o diálogo:

- Olha aqui, seu baiano arretado e veado. Tu vai lá e bate essa porra como homem, porque se tu perder eu vou comer teus culhões aqui mesmo, sem sal e sem azeite de dendê, viu?!

E o Baggio foi bater e isolou... BRASIL, CAMPEÃO MUNDIAL!!! CAMPEÃO, PORRA NENHUMA: TETRACAMPEÃO DO MUNDO.

Por falar em "tetracampeões", está ficando cada vez mais difícil eu explicar aos meus amigos europeus como o "Ronaldinho" ganhou esse título. A indagação procede. Na Copa do USA, o garoto tinha só 17 anos. Não jogou nenhuma partida. Então, como chamá-lo de "tetracampeão"? Não seria mais correto dizer que ele participou do grupo que conquistou o quarto campeonato mundial para o Brasil? Meio constrangido, sou forçado a aceitar a lógica dos europeus.

A alegria foi imensa; para mim, particularmente. Foram sete Copas e só tinha ganhado a primeira. Não gostaria de me "aposentar" sem ver novamente o Brasil campeão. Fiquei duplamente alegre, pelo título e pela redenção do Dunga, um jogador fantástico, como homem e como atleta. Ele não merecia o massacre que sofreu, durante quatro anos, por parte dos formadores de opinião que são, na verdade, torcedores profissionais no lugar errado.

O Dunga foi o capitão da Seleção, fez o gol da vitória (foi quem bateu o último pênalti) e ainda pegou a Seleção dos melhores do mundo. Hoje é endeusado e recebe tapinha nas costas de quem tanto o apedrejou...

No dia seguinte à vitória voltei ao Brasil, via Miami. Me despedi da galera dizendo que era a última. Nem adiantava eles me procurarem para a Copa da França, que eu não iria. Ouvi piadinhas, mas estava irredutível. Me aposentei. Viajar para ver futebol, nunca mais... Só no Maracanã, na boa. O resto dos jogos eu vejo na minha casa, pelas ondas da GloboSat.